domingo, 3 de junho de 2012

Em dez anos, 2012 já é o ano mais violento para jornalistas


SOB RISCO DE MORTE
Desde a execução de Tim Lopes, em 2002, 21 profissionais foram assassinados; quatro foram mortos este ano – entre eles, o jornalista maranhense Décio Sá
Em apenas cinco meses (janeiro a maio), 2012 já é o ano mais violento para jornalistas brasileiros desde o assassinato de Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, o Tim Lopes, cuja morte completou 10 anos ontem (2). Conforme a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), quatro profissionais foram mortos no país, neste ano, em crimes relacionados ao exercício da atividade, mesmo número registrado em todo o ano de 2011.
As oito mortes neste último ano e meio totalizam quase 40% dos 21 assassinatos de jornalistas cometidos desde 2002, ano da execução, por traficantes, de Tim Lopes, jornalista da Rede Globo, no Complexo do Alemão, no Rio.
“É uma ameaça à liberdade de expressão. Quando se cala um jornalista quem sofre é a sociedade”, diz o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Moreira, organização criada no mesmo ano da morte de Tim Lopes.
Na quinta e na sexta-feira, a entidade esteve à frente de um seminário que debateu a cobertura em situações de risco. “A violência, no país, tem naturezas distintas: há traficantes de atacado na fronteira e tiroteios nas favelas do Rio”, disse Moreira. Mas, ressalta o jornalista, há uma ameaça menos visível: crimes políticos cometidos em pequenas cidades. “Os quatro jornalistas mortos neste ano foram vítimas de crimes desse tipo.”
O caso mais recente no país é o do jornalista Aldenísio Décio Leite de Sá, 42 anos, de O Estado do Maranhão (jornal da família Sarney), executado em São Luís no último dia 23 de abril. Repórter político responsável por um blog controverso, Décio Sá foi morto com seis tiros de pistola ponto 40, no bar “Estrela do Mar”, na Avenida Litorânea (orla de São Luís).
Além de Décio Sá, foram mortos neste ano, no Brasil, outros três jornalistas:
. O radialista Laércio de Souza, de 40 anos, que trabalhava na emissora baiana Sucesso, de Camaçari. Laércio foi executado a tiros no dia 3 de janeiro, no Bairro de Jardim Renatão, no município de Simões Filho (Região Metropolitana de Salvador).
O radialista estava trabalhando em um terreno de sua propriedade, no Jardim Renatão, quando dois homens chegaram armados, por volta das 13h45.
A vítima ainda tentou escapar, correndo em direção à casa de um vizinho, mas os matadores o alcançaram e o alvejaram várias vezes.
Filiado ao PSL, o radialista vinha trabalhando a sua pré-candidatura a vereador no município de Simões Filho.
. O jornalista Mário Randolfo Marques Lopes, de 50 anos, chefe de reportagem do site “Vassouras na Net”, baseado na cidade de Vassouras (sul do Rio de Janeiro).
Randolfo foi morto com um tiro na cabeça na madrugada de 9 de fevereiro, em Barra do Piraí (município vizinho a Vassouras). A companheira do jornalista, Maria Aparecida Guimarães, que estava com ele, também foi assassinada.
O casal foi sequestrado na casa de Maria Aparecida, no centro de Barra do Piraí, e levado a um local de pouco movimento. Os disparos foram feitos à queima-roupa.
No site “ Vassouras na Net”, Mário Randolfo criticava personalidades influentes na região, como juízes e políticos.
. O jornalista Paulo Roberto Cardoso Rodrigues, conhecido como Paulo Rocaro, de 51 anos, editor-chefe do Jornal da Praça e diretor do site “Mercosul News”, ambos de Ponta Porã (Mato Grosso do Sul).
Às 23h30 de 12 de fevereiro, Paulo conduzia seu carro pela Avenida Brasil (centro de Ponta Porã), quando foi abordado por duas pessoas que estavam numa moto. O “garupa” disparou mais de 12 vezes contra o jornalista, que foi atingido por cinco tiros. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu.
Nenhum desses quatro casos – todos com características de crimes de encomenda – foram elucidados pela polícia até agora. Um retrato falado do suposto assassino de Décio Sá foi divulgado na quinta-feira (31) pela polícia maranhense.
Avaliação de riscos – Para Marcelo Moreira, da Abraji, o debate sobre a insegurança dos profissionais de imprensa avançou, mas precisa amadurecer. Ele diz que é imprescindível mandar repórteres para a guerra ou para observar a ocupação de uma favela, mas, além do planejamento da segurança, é preciso uma cultura de avaliação de riscos. “É uma visão deturpada achar que segurança é não fazer a matéria.”
Unesco – Moreira diz que o Brasil é um país violento para os profissionais de imprensa. Lembra que o Instituto Internacional de Segurança da Notícia (Insi, na sigla em inglês) coloca, em 2012, o Brasil como o terceiro pior país para jornalistas, à frente apenas de Nigéria e Síria. Por isso, critica a posição do governo brasileiro, que, no fim de março, derrubou, numa reunião da Unesco em Paris, o texto de um novo Plano de Ação da ONU sobre Segurança dos Jornalistas. À época, o Itamaraty afirmou que não é contra o plano, mas o rejeitava devido a procedimentos irregulares.
O veto levou entidades ligadas à imprensa a protestar. Em reunião com a ministra Ideli Salvatti, das Relações Institucionais, representantes de órgãos como a Associação Nacional de Jornais e a Abraji ouviram o compromisso de o governo criar um observatório de violência contra jornalistas. Tal ideia ressurgiu em audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado, no dia 28.
Além do observatório, a audiência debateu a proposta de federalização de crimes contra jornalistas, com apuração pela Polícia Federal, em locais onde houver pressão contrária à apuração.
(Gustavo Villas Boas, do Estadão Online, e Oswaldo Viviani, do Jornal Pequeno)


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